quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Meu nome


Meu passado
África
Meu presente
Me apresento
Anna
Claudia
Ana minha vó
Claudia minha mãe
África meu umbigo
Eu não sei de onde eu vim
Mas sei quem veio comigo
Meus pares
Filhas da diáspora
Mães e irmãs
Tias e nanãs
Mulheres
Negras
Olhares que se cruzam
Desde a infância
A luta dos corpos políticos
Antes da militância
A sororidade
Antes do termo
O laço invisível
Que une as tranças dos nossos cabelos
Vive em mim
A história que insiste em ser apagada
Marcada em minha pele
Registrada em meu nome
Eternizada em minhas palavras

segunda-feira, 18 de junho de 2018


se eu não fosse poeta
te diria
o que é a tua presença
o que é a tua ausência
o que é minha vida
cheia de presenças
e de ausências

se eu não fosse poeta
você saberia
quando teu olhar me aperta
tudo que silencio
por não saber ser simples
como uma gata no cio

se eu não fosse poeta
não teria
essa estranha sensibilidade
que me impele
de ver tudo claro
que me faz amar o raro
de toda impossibilidade

se eu não fosse poeta
poderia
me desfazer
de tanta lucidez
e ficar louca
ao menos uma vez

se eu não fosse poeta
tudo seria
apenas um desejo
morto tão jovem
no primeiro beijo
ainda criança
ainda tão pequeno
ainda sem medo

se eu não fosse poeta
você entraria em mim
para ficar solto
em algum lugar
da lembrança
em vez disso
nada digo
e você fica preso
dentro do meu verso

Alice Ruiz

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Ecoa

Calam o meu grito
Mas nas linhas do tempo
Minha palavra ecooooa
A vibração do couro
Libertou o corpo do açoite
Minha alma agora vooooa
Minha dor deixou de ser tristeza
Não coube em mim
Transbordou em foooorça

domingo, 3 de junho de 2018

Eram as deusas astronautas?

Eram as deusas astronautas?
Meus passos em direção aos astros
Do passado ao futuro
Foi um caminho longo... E duro
Mas se da terra viemos, à terra voltaremos
O rumo do ninho não se perde
Nua deixei e nua voltarei ao ventre
Do espaço até as pirâmides
Um rastro...
Era eu o cometa Harley
Viajando há anos-luz
O início é o fim do caminho
Eu cheguei a tocar as estrelas
Com os pés fincandos ao chão
Eram as deusas astronautas?
Ou era mãe-África a semente da vida
E nós o mistério do tempo?

quinta-feira, 19 de abril de 2018

A nossa faca
Foi amolada
Na mesma rua
A diferença 
É que fiz da minha
Arma de luta
Até hoje a sua
Machuca
Machuca
Machuca
O silêncio
Te vê dormir chorando
E acorda sem pedir desculpa
Guarda teu grito contigo
E não te engane nunca

quinta-feira, 12 de abril de 2018

nada havia antes de mim
e não porque me considero
significativa
justamente porque nada
significo
nada havia antes
nada haverá depois
sou tão meio
sou tão parte
eu
os sapiens
os selvagens segundo os sapiens
os átomos
e todo mistério
somos
sem início, fim ou forma
um imenso abstrato

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Se te imagina
Sozinho
No meio da selva
Se é capaz
De pensar
Em ser
Num espaço
Inóspito
Se te depara
Com a onça
O que te vem
A cabeça?
"Não olhe nos olhos dela,
Não encare
A fera"
Que besteira...
O bicho percebe
A decência
De quem não desvia
Por medo
Ele espera
Um olhar de respeito
Pra dividir seu espaço
Com o outro
a lágrima escorre
seca
o resto é que está
molhado
a vida mais uma vez
chega
transbordando
meu coração
inundado
cansado
em meu velho barco
sob o silêncio de um
sol iluminado
permaneço
queimando
sozinho
entre as correntezas
incrédulo
estático
e como quem protege
os grandes amigos
o vento
me sopra aos ouvidos:
você já conhece
as águas
não durma
não pule
cuidado
A história d'ÁFrica vive
Quando renasce em carne
Pelo vibrar do couro
quem tu não tocas
não te conheces
assim como a poesia
és aquele que
vai
ao encontro da palavra
és aquele que
vai
ao encontro da imagem
és aquele que
vai
ao encontro do mar
(re)conheces
linhas como versos
vida como ciclos
universo como onda
um processo que ainda
não se completou
estás sempre diante
da primeira estrofe
se a vence
aprende como pode ser
se não a vence
tenta saber como é
quando a enfrenta
sabes que o ritmo
é o equilíbrio
que o que acaba
permanece para o novo
num infinito e repetitivo
presente metamórfico
como o poema que existe
a espera do outro
como a paz oscilante
da tua existência no mundo
como o êxtase fluido
que acomete quem é
tocado no fundo
por você
e eu te digo
só os boemios amam
com certeza
o tesão nos engoliu
enfiando-nos
nos antros escuros
de uma cidade imensa
e a noite negra
negra
negra
você fica tão lindo
quando acende um careta
perdidos em horas intensas
seguimos tortos caminhos
às avessas
entre tropeços
salivando pecados
nosso beijo em brasas
me deixa dispersa
sem direção
por aí
andamos tontos
libertando em gozos
as vontades presas
retinas tomadas
pelas pupilas dilatadas
rotina regada
à cerveja gelada
e trepadas perfeitas
e ainda nos vemos
com os primeiros olhares
a rua lotada
o rap de trilha nos bares
os becos, as balas
e a noite negra
negra
negra
pela janela do mundo
a lua ilumina
as nossas peles pretas
Às minhas crias
Não oferecerei o pão da sabedoria
Não provarão sabor de conhecimento
A ignorância será sua benção
Ficarão protegidas
Da História por de trás da História
De qualquer teoria ou ideologia
De qualquer dúvida
De qualquer resposta ao senso comum
Que passem fome!
Mas não se frustem...
Não cheguem ao doloroso ponto
De precisar provar-se
Sem poder gozar da liberdade
De estarem alheias à superestimada
Tragédia do pensar
E que deus livre meus rebentos
De serem prodígios
Grandes gênios, letrados sensitivos
Os pensadores são como vermes
Que corroem todo resto
Até ficarem sozinhos no próprio mundo
A mente acaba por desenvolver-se
Ao ponto crítico de saber-se
E é aí que está feita
A maior das desgraças
A vida perde toda a graça
E a tudo se questiona
Não têm fim as verdades
E quanto mais as miram
Mais sentem-se pela metade
E ensimesmam-se
Em um abismo de si mesmos
Trancafiam-se, misantropos
Esperando que até o fim não se deparem
Com outras cabeças que sabem
Qualquer coisa a menos
Ou outras tantas
O homem que engrandece mulheres
Despejando em vão doces palavras
Como quem estimula a concha
Só para aproveitar suas pérolas
Não passa de um grão de areia
Não passa de um entre milhares
Pode até conhecer bem os mares
Mas não sabe navegar
Eu sempre
Presto atenção
Em você
Eu presto
E você não presta
Pela fresta da porta
Aberta
Eu vi
Seus segredos
Por detrás
Da virilidade
Ouvi
Nas entrelinhas
De seus discursos
As fragilidades
Fui vil
Adentrei seus olhos
Preguei uma peça
Em sua vaidade
Sua liberdade
Não me prendeu
Porque eu presto
Atenção
Nos detalhes
Ouro de mina
Não mina meus sonhos
Elimina meus medos
Germina aqui dentro
Menino
Quantas vezes
Tua rima me encontrou por aí
Depois daquela noite?
Quantas vezes
Escreveu tua palavra no céu
Pra que pousasse em minha retina?
Meu mistério
É teu impulso poético