sexta-feira, 9 de junho de 2017

Um salve ao preto marginal!
Não só aquele que teve seu futuro encarcerado
Não só aquele que teve seu sonho cancelado pelo Estado
Um salve também ao preto que é visto, não lembrado
O preto marginalizado
Que além da cor carrega o fardo do preconceito multiplicado
O preto dos picos, dos extremos
Das margens espaciais reforçadas pela ideia hostil
O preto periférico, o preto nordestino
Preto analfabeto, preto retinto
O preto do rodapé do Brasil
O preto além da linha do centro
Do padrão de preto que é aceito
O preto raíz que ao país deu origem ao fruto
Um salve ao preto do gueto!
não foi inventada 
a palavra que explica
por isso, 
nada foi dito ainda
não foi inventado 
o sentimento que cura,
pois o tempo flutua e
esse furacão vira brisa
menina,
começo
mais uma vez
minha verdade assim
não quis ferir suas delicadezas
em meus versos
porém complexos da alma
me atingiram em harmonia
exata
e eu toquei pro começo do fim
você sabe bem disso...
o descompasso que organiza a vida
num dia
vai na cadência do tamborim
no outro
grita feito cuíca

a lágrima escorre
seca
o resto é que está 
molhado
a vida mais uma vez
chega
transbordando
meu coração
inundado
cansado
em meu velho barco
sob o silêncio de um
sol iluminado
permaneço
queimando
sozinho
entre as correntezas
incrédulo
estático
e como quem protege
os grandes amigos
o vento
me sopra aos ouvidos:
você já conhece
as águas
não durma
não pule
cuidado

Estranho pensar no ângulo da sua lembrança
Pra mim tudo aconteceu do meu ângulo
O amor é um poliedro
Para o universo
Outras vértices
De nossas partes
A cada dia eu te vejo
A cada dia você me vê
E eu comecei a te amar
Quando você disse "eu te amo"
Na hora de gozar
E eu sei que você me ama
Porque olha nos meus olhos
Enquanto eu gozo
Você me encara
Faz-se
A outra face
Da minha face
As linhas que nos ligam estão dentro
Convexos
Complexos
Unidos

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Não te apaixones por uma mulher que lê, por uma mulher que tem sentimentos, por uma mulher que escreve.
Não te apaixones por uma mulher culta, delirante, louca.
Não te apaixones por uma mulher que pensa, que sabe o que sabe e também sabe voar, uma mulher confiante em si mesma.
Não te apaixones por uma mulher que ri ou chora quando faz amor, que sabe transformar a carne em espírito; e muito menos te apaixones por uma mulher que ama poesia (estas são as mais perigosas), ou que fica meia hora contemplando uma pintura e não é capaz de viver sem música .
Não te apaixones por uma mulher que é rebelde e sente um enorme horror pelas injustiças.
Não te apaixones por uma mulher que não gosta de assistir televisão. Nem por uma mulher que é bonita, mas, que não se importa com as características de seu rosto e de seu corpo.
Não te apaixones por uma mulher intensa, brincalhona, lúcida e irreverente.
Não queiras te apaixonar por uma mulher assim.
Porque quando te apaixonares por uma mulher como esta, se ela vai ficar contigo ou não, se ela te ama ou não, de uma mulher assim, jamais conseguirás ficar livre.

(Martha Rivera Garrido – Poeta Dominicana)

terça-feira, 18 de abril de 2017

Você que me tocou com esse coração de doação, peço perdão pela falta de noção, eu me escondi embaixo do caminhão, porque sou cão. Sou cão de rua. Apanhei do antigo dono e dos gatos mais malandros. Eu lato por tudo. Não, não mordo a mão que afaga, só não reconheço o afago, por isso morro de medo quando tua alma se aproxima. Quero fugir todo dia do seu lar, voltar pra rua. Mas hoje eu pensei no seu olhar fiel, eu pensei na nova sensação de ter um bom companheiro, eu pensei feito um cão... Naquele dia em que você me recolheu cheio de sarna. Em como você vem cuidando das feridas. E eu tenho vontade de cavar a terra fundo pra não esconder simplesmente nada. Eu não largo mais esse osso.
afro
dis
íaco
teu
vinho
bebo
feito
dio
nísio

segunda-feira, 10 de abril de 2017

O que esperar de quem prende bichos que voam em gaiolas e sela cavalos?

Hoje eu precisava de ópio ou de nada. Você me pressionou a arrancar qualquer coisa de dentro de mim e chamar de amor. Como um filho que não se deseja. Esse é meu grande pavor da maternidade, ter que amar pro resto da vida só porque todo mundo acredita que precisa. Eu nao sei amar pro resto da vida, talvez eu não saiba amar, prefiro poesia. Amor demais me sufoca, prefiro linhas que sei onde acabam. Acaba comigo essa angústia que carrego desde sempre. Esse peso que carrego por ser uma mulher problemática. Me sufoca. Me sufoca a decisão tanto quando a indecisão. Me irrita o endeusamento tanto quanto o desprezo. Me limita ter que retribuir o tempo inteiro. Me dê um tempo, amor. Eu preferia quando era só desejo. Eu não sei lidar, amor. Já me incomoda quase tudo no seu jeito. Eu nunca tive certeza porque eles nunca me pareceram certos, mas quem vai ser? Eu achei que meus problemas eram os paus pequenos. Mas eu não enxergo grandeza em absolutamente nada, isso parece tão egocêntrico e ao mesmo tempo solitário. Eu não me permito, mesmo? Será? Que grande bosta de dúvida se instala em qualquer parte do meu cérebro que chega me doer o peito como se eu tivesse o tempo inteiro com falta de ar? Por que é assim toda vez que eu tento amar? Pelo amor de deus, me fala qualquer coisa sem ser eu te amo.

sábado, 8 de abril de 2017

o que se espera
da mulher
não, é?
que seja uma sopa
rançosa
das que se come doente
pra melhorar?
o que se espera
da boa moça?
um par?
eu nunca pude
ser esse tipo
de prato
pois meu namorado
lacei no carnaval
louca de ácido
corajoso o homem
que não se faz enfermo
e adentra
meu inferno
eu não espero não
a liberdade
não se come fria
me desespera
a sua hipocrisia

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Evito temperamentos sórdidos

Clarice amplifica o meu conhecimento sobre mim mesma. Descobri ser uma amplificadora também. Isso explica tanta coisa... Desde a infância. As sensações que as coisas e as pessoas me causam são amplamente maiores. Acabo de me emocionar simplesmente por ver e tocar uma folha em branco. Um simples pedaço de papel sem marcas significa pra mim um infinito de possibilidades, uma válvula. Por isso não me deixo apaixonar tão fácil, por isso música alta me irrita tanto, por isso prefiro o escuro para descansar. Pra mim é muito mais profundo. No coração, no ouvido e na retina. Eu evito que a grandeza do mundo caia no meu abismo. Só não evito quando se trata de borboletas.
sem roupa da sua cama
assisto Badu dançando
hospedada no seu braço esquerdo
ao som de Lábios de Mel do Tim
enquanto você cozinha pra mim
alguma coisa cheia de tempero
pela moldura da porta
te aprecio parte por parte
seu pau parece uma obra de arte
você, um monumento um egípcio
um deus negro
tua existência me toca mais que Frida Kahlo
e o encontro dos nossos lábios fartos
supera o quadro d'O beijo
perfeitamente projetado pra me deixar em estado de transe
quando a gente transa
nos captamos em qualquer frequência
se a gente se olha de frente
sua vibração me atinge no córtex
da forma mais intensa
e sem controlar o instinto selvagem
chega a me dar vontade
de te engolir por inteiro
quero te sentir dentro de mim
tocando minhas carnes
teus dedos me desenhando com força
colorindo os lugares perfeitos

sexta-feira, 31 de março de 2017

com um peso
que não se pode
carregar
não levo mais 
pedras
me elevo
apenas
como pena
o vento
me toca
e me ver
esvoaçar
as vezes é
desespero
no peito
daquele que
não compreende
que sou dente-de-leão
me segure
em suas mãos
mas não
me sopre
muito forte
meus pedaços
espalham-se
rápido
do sul ao norte
me acompanha fácil
se entende
que sou pássaro
e que pousarei
sempre
perto
de quem me sobe
ao céu
e nao me exige
o chão
depois de me devorar por inteiro
atirou minha cabeça aos leões
sinto enormes caninos cravados
um no maxilar, outro no crânio
este quase alivia as tensões
enxergo agora o mundo de lado
fico de olhos fechados
enquanto meu rosto é lançado
numa espécie de jogo animal
me agarram ferozmente com a boca
sem que eu,
essa cabeça solta
entenda se a brincadeira é instintiva
ou se é proposital
eu sei
que essa situação te frustra
por isso ainda me acusa
de não ser carne boa pros bichos
faça-me um último favor e
assuma
assim como eles
você pôde brincar
mas foi incapaz de engolir
minha cabeça em conflito

quinta-feira, 30 de março de 2017

pensei que fosse rancorosa
de frente aquilo que não me passa
mas sei bem eu que passo tudo
esqueço
perdão transparece
mais que diluído em água
é que ainda pulsa
a dor de quando
como caneta em pouca carga
você riscou minha existência
cada vez mais rápido
cada vez mais forte
sem resquício de tinta
me fez papel rascunho
rasgando ao meio
me desperdiçando por inteiro
sou ferida aberta
que nunca cura
que não estanca
e por isso
não há homem que eu beije
sem sentir o gosto fresco de sangue
não há carinho que me toque
que não arrepie a alma
vivo em tom assustado
a tua amargura me deixou amarga
o bicho selvagem
o bicho solto que em mim habitava
você caçou
e cortou errado
com faca desafiada
azedou a carne
me fez imprestável
virei carcaça
virei carniça para urubus

Desculpas por fracassarmos no amor (Tradução)

Warsan Shire
Gosto de ficar só e por isso faço coisas solitárias.
Amar você era como ir para a guerra; nunca voltava igual.
Você odeia mulheres, assim como seu pai e o pai dele, então é hereditário.
Estava vagando pelo estacionamento dilapidado que é seu coração procurando uma carona para casa.
Você é uma cidade-fantasma e eu sou patriótica demais para ir embora.
Eu fico porque você é o começo do sonho de que quero me lembrar.
Não retornei a ligação porque ele gosta de mulheres sem voz.
Não é que ele queira ser mentiroso; é que ele simplesmente não sabe a verdade.
Não consegui amar você, você era uma miniguerra.
Cobrimos o poço da perda com piadas.
Eu não queria fracassar no amor como nossos pais.
Você fez o nômade em mim construir uma casa e se acomodar.
Não sou cachorro.
Estávamos tentando provar que nosso sangue estava errado.
Eu ainda estava me sentindo solitário, então fiz coisas ainda mais solitárias.
Sim, sou insegura, mas minha mãe e a mãe dela também eram.
Não, ele me ama sim, só me faz chorar demais.
Ele sabe de todos os meus segredos e mesmo assim quer me beijar.
Você foi cruel demais para ser amado por muito tempo.
Simplesmente não funcionou.
Meu pai foi embora uma noite e nunca mais voltou.
Não consigo dormir porque o gosto dele ainda está na minha boca.
Eu o cortei pela raiz, ele era minha árvore favorita, apodrecendo, pondo em risco a fundação da minha casa.
As mulheres da minha família morrem esperando.
Porque eu não queria morrer esperando você.
Eu tive de terminar, me sentia solitária quando ele me abraçava.
Você é a música que eu ouço várias vezes até decorar a letra e sentir náusea.
Ele me mandou uma mensagem que dizia “te amo demais.”
O coração dele não era tão bonito quanto o sorriso.
Manipulamos um ao outro emocionalmente até pensarmos que era amor.
Me perdoe, estava carente e te escolhi.
Sou uma amante sem um amante.
Sou incrível e sozinha.
Pertenço profundamente a mim.
-

Warsan Shire representa na poesia o que é negado a mulher negra: a vulnerabilidade e a sensibilidade
Warsan Shire fala sobre que coisas que estão dentro das mulheres negras e desfalece os sentimentos nas linhas
Warsan Shire não tem medo

segunda-feira, 27 de março de 2017

a distância
como uma deficiência de sentido
aguça os outros
teu cheiro
chega de longe
passa pelas narinas
entorpecendo todo o corpo
de olhos fechados
sinto também
seus pelos do rosto
escorregando pelo dorso
das minhas costas
os quilômetros
potencializam seu sussurro de vontade
e na velocidade da luz
entram em mim
no mesmo segundo
ecoando nas paredes da alma
ao mesmo tempo que
a aspereza da tua palma
traz meu corpo pra perto da brasa
que incendeia tua pele
reagindo ao frescor da manhã
a saudade é sensorial
direito de expressão?
me diz o que é direito 
de expressão?
quando estoura
o grito
engasgado
me diz que tem
o direito de estar errado?
quão revolucionário
é dar o direito
a quem já o pertence?
você que conhece
tanto a história
a memória
e a glória
me diz?
me fale você
que sempre teve o direito
de dizer
e do saber
qual a dificuldade de entender
a lógica?
se até agora
o meu direito foi limitado
se o verbo entalado
ainda incomoda tanto
mesmo que o sujeito
nunca tenha sido
eu
me diz o que é
direito de expressão?
me diz
quem
tem o direito de expressão?
quem tem?
quem teve?
a voz
a faca
e o queijo
nas mãos?
me diz quem tem direito?
se pela primeira vez que me expresso
no enredo que só conta retrocesso
no meu progresso
você põe defeito?
sempre que eu tento
e a minha expressão te bate a porta
você me poda
meu direito ainda é pouco?
dele não sobra
qualquer expressão
pra minha poesia
e mesmo assim
encontro nos versos
a saída pra minha revolta
me solta
me ouça
minha expressão
que te convém
queres pra si
meu som
minha arte
meu tom
meu jeito de se vestir
minha expressão
que não convém
pode sumir
se a mistura é tão perfeita
por que é que não aceita
tudo que eu tenho
para ti?
minha voz
meu pixo
o corpo do meu
cérebro
meu mistério
ancestral
minha geração veio ensinar
que se expressar
não é ser nega maluca no carnaval
direito
de
expressão
?
deveres
do
silêncio
!
para lei não existe metade
se só te serve
a liberdade que cala
pode chamar de insanidade
a minha postura
o
sonho
da nova loucura
acaba de ressurgir
eu tenho sede
bebo no bico
engulo tudo a goladas
dores e amores
mulheres e homens
cerveja gelada
eu tenho sede
me expresso em líquido
minhas cores
são aquareladas
só fluindo
por todos os cantos
é que minhas vontades
são liquidadas
eu tenho sede
consumo a lírica em litros
frequento os versos anônimos
dado o vício
em palavras rimadas
eu tenho sede
e tua ausência me seca
porque quero todo dia
aquele seu toque
que me deixa molhada
eu te deixo com sede
e pro deleite da sua língua
viro dose
da melhor pinga
na tua cama
fico derramada
eu tenho sede
tua abelha rainha
embebida em seu pólen
de você
quero um gole
como mel na colmeia
escorro
entre a sua saliva
marrom e adocicada

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Depois de tantos que me trataram
Como a mãe gostosa de um amigo
Aquela que eles comiam
E revelavam todas as suas fraquezas
Eu fiquei confusa
Nunca quis saber como eles eram inseguros
Foi isso que fodeu minha cabeça
Eu tento olhar com verdade as peles pretas
Nutrir qualquer sentimento sublime
Pelos paus
Pelas bucetas
E tudo que me toma é um tédio imenso
Amar parece coisa de gente sem amor
Elas sentem demais
Eles sentem muito medo
Apagam as poesias e nunca tem argumentos
Se engrandecem por muito pouco
Covardes
Os homens são todos uns bostas
E as mulheres
Nós não passamos de idiotas
atirei um molotov
em minha própria garganta
protestando contra as tantas
burrices que cometi
ai de mim, que a revolta
ao invés de espalhar as mágoas
dos amores alienados
corrompidos cansaços
boletos não pagos
infelizmente deu errado
pro seu governo
eu implodi
desfilo agora um sorriso pleno e
democrático
porém estou em
estado de sítio
estão fodidos os órgãos de baixo
já prejudicados
pela romantizada
neoliberdade
perco-me
sem sinapses
minha mente permanece
em atividade
mas meus neurônios
estão em motim
e mesmo
neste interno caos
vomitando os próprios cacos
renego tudo que é imposto
anarquista
no estado de desgosto
não há
bomba
ou autoridad
que decreterá meu fim

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Para mulheres que são difíceis de amar (a afirmação)


Tradução do poema de Warsan Shire

você é um cavalo correndo sozinho
e ele tenta te domar
te compara com uma estrada impossível
com uma casa em chamas
diz que você o cega
que ele não poderá
jamais te deixar
te esquecer
querer qualquer coisa
além de você
você o atordoa, você é
insuportável
qualquer mulher antes ou
depois de você
é extinta pelo seu nome
você enche a boca dele
seus dentes ardem com a memória do seu gosto
o corpo dele é só uma enorme sombra em busca do seu
mas você é sempre intensa demais
assustadora em seu modo de desejá-lo
sem vergonha e dada a sacrifícios
ele diz que homem algum pode chegar aos pés do que
vive em sua cabeça
e você tentou mudar, não tentou?
fechou mais sua boca
tentou ser mais suave
mais bonita
menos volúvel, menos desperta
mas mesmo dormindo você podia senti-lo
viajando para longe de você em seus sonhos
então o que você quer fazer amor
quebrar a cabeça dele ao meio?
você não pode fazer casas em seres humanos
alguém já deveria ter te dito isto
e se ele quer partir
deixe que ele vá

você é aterrorizante
e estranha e bela
algo que nem todos sabem como amar

Tradução: Tais Bravo

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

pode procurar
nos confins do mundo
no mapa que liga cada pinta única dos dois bilhões de homo sapiens
ir até o último círculo do inferno de dante
ou depois de onde judas perdeu a moral
não encontrarás
alguém que te tira do teu mais profundo comodismo
com piadas ácidas que conhecem teu ponto fraco
ninguém poderá te fazer outras memórias sanguessugas
que te fazem se sentir como um bebê que precisa da mãe
a bomba de hiroshima que não te atingiu
mas deixou a radiação em cada uma de suas células descendentes
a esfinge antropofágica que se devora
pois prefere a ânsia de nunca te ver decifrar o mistério
não busque a saída
não há qualquer fêmea, forma ou fumaça que passe a desgraça
da culpa que me fez escorrer entre seus dedos
e continuar sendo o rio
no princípio eu já previa
como verbo que é o que é
no inferno de ser não existe messias
que salve a negra mulher
não há provérbios
muito menos versos
que me serão solenemente dedicados
as qualidades dos anjos
nem me chegam perto
não é o tipo de afeto
que me foi reservado
se um dia clamei aos céus
gritando ao léu:
"eles não sabem o que fazem"
foi por desespero em saber
que aqueles que me decretam a cruz
não passam de covardes
e o que seria de mim
se não me mantesse forte
se não fosse a sorte
dos atalhos que não me sobram
caminhos tortuosos sempre me assombram
mas minhas pernas nunca se cansam
engulo a seco todos os socos
não compreendo ainda o propósito
deusas desviam-me de disfarçados monstros
e eu ressurjo entre os escombros
só é difícil porque aguento
rápido seria o errado
longo será o certo
virá em águas que desconheço
a recompensa desse deserto
a esperança mantem-se firme
no fim de tudo receberei
asas que me farão livre
de todo peso que carreguei

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

automutilação da alma
é curvar-se diante do trauma
e alimentar-se da própria ferida
pra quem sabe
diluir em si mesmo a raiva
da vida
da vida
da sina

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

desculpa
se a minha frieza
te frusta
é que fiquei calejada
de enfrentar
tantos caminhos de luta
sei manusear
a tristeza
mas a felicidade
me assusta
perdoa
se do lado de dentro
eu me sinto sofrendo
e o lado de fora
me ocupa
meu amor
é em estado bruto
não foi lapidado
pelas mãos verdes
dos seres imaturos
dos muros
que eu pulei
eu sei
o que deixei pra trás
pra transformar
em luz
o escuro
e não que eu seja
feroz
mas como um bicho
criado com os lobos
se eu não mordo
eu fujo

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

samba de despedida

sigo
descrente do laço
mas por instinto
ritmo
ou ilusão
ainda penso
no que não há de ser
nunca
e nem seria se fosse
porque me faltou
e sempre falta
a certeza
mesmo assim
sinto
que a brisa que chega
secando o suor
em minha nuca
nas noites infernais
dessa estação
enquanto sonho
com sua boca
no mesmo ponto
só pode ser
uma reiveinção
da sua paradoxa presença
quente e ao mesmo tempo
fresca
de quando você era chuva
e não cinza
acordo engasgada
com essa coisa
parada
em meu esôfago
desde do dia
em que eu disse que ia
mas nunca fui
passageira
que fica
fica quando sente vontade
que a gente sabe
que não existe samba de despedida
só de saudade
o que entristece
mais que os fatos
é perceber
como são organizados
para se repetirem
a história nunca muda
e a dor ainda vive
as ações
são cruéis e prolongadas
desrespeitosas e baratas
doloridas e injustas
mas incrivelmente
é sempre
a nossa reação
que assusta
O que me cobre
E o que me preenche
Vem da terra
Não da costela
Vem da mãe
A essência
Da minha existência
Sou raiz
Sou resistência
A minha paz
Encontro no silêncio
Das coisas fúteis
Me desprendo
Me liberto
Do que esta fora
E volto sempre
Para dentro



Já fui um feto
E hoje volto
Ao profundo
Antes do útero
Antes do luto
Pela semente
E do descaso
Pelo fruto
Tentativa de entender
Porque te afeta
A falta
Mas não te toca
A vida
Daquela que porta
Não o pecado
Mas a ferida
Que não estanca
Se anda
É presa fácil
Do predador doutrinado
O que te importa?
Depois que a mulher brota
A sua sina é crescer
Sem liberdade
Para nascer
Morrer
Parir
E
Ser


Ei,
Me apaixonei
Desde a primeira vez
Eu sei
Que você alimenta
Meu ser
Cansei
De ser dominada
Por cada parte sua
Penetrada
Em minhas entranhas
Minha mente te prende
Minha boca te solta
Minhas mãos te procuram
Meu coração te ganha
E eu sumo...
Se eu não te encontro
Sou vazio no escuro
Se eu não te encaixo
Trava
Se eu não te acho
Escapa
Se eu não te uso
Cala
Eu nunca sei seu rumo
Você simplesmente deságua
Em minhas veias
Teias de sentidos
Que transformam meus sentimentos
Equilíbrio
Sustento
Vício
Me declaro te vestindo
Do teu jeito mais bonito
Te escrevo
Te encarno
Vivo
Sua poesia rimada
Não precisa me amar de volta
Eu sempre serei sua
E grito seu nome:
Palavra!
não creio
em entidades
mas já que insistes
que por divinas mãos
fui criada
não receie em dividir
a fartura dos meus labios
nenhum milagre
renderia tanta carne
se não fosse
pra ser mastigada
5 da tarde
na linha vermelha
eu percebi que eu não era ninguém
perdida
no mar de gente
que parecia marchar cansada
na direção do trem
eu senti que morri...
7 da manhã
na linha vermelha
eu percebi que eu não era ninguém
quando aquela mulher
perdida
entrou na frente do trem
fez com que o mar de gente
parasse de marchar
pra ouvi-la, cansada, gritar:
eu quero morrer!

adíos sp
E se eu disser
Que aqueles versos
Sobre sexo
Selvagem
Não falavam de você
Mas de uma falta
Repentina e luxuriosa
De um desses casos
Sem importância
Não adianta
O que eu sinto
É mais sublime
Até que um gozo
meu corpo
não é afronta
nem convite
aos penetras
me penetrem
com ideias
nao me prendam
em suas rédeas
meu corpo
é a fonte
é a graça
e a carcaça
seduz caminhos
vagueia errante
reproduz
e deixa marcas
meu corpo
é amontado
de pele, sangue, água
e crânio
não apele
não te fere
que eu não o cubra
com seus mantos
meu corpo
é terra abismo
é buraco
queda ao limbo
nem profano
nem divino
meu corpo
encontra-se perdido
meu corpo
vai
e seu ir e vir
não muda
se desnuda
não insistam em vesti-lo
nao o serve a alma
nem de santa
nem de puta
meu corpo
é instrumento
alimento de energia
é dor no pensamento
do pudor e hipocrisia
meu corpo
é mais um corpo
dentre corpos rápidos
encorporados de tensão
a diferença é que
meu corpo
prefere preguiça
cevada, fumaça, comida
e tesão
meu corpo
já não importa
matéria viva
imagem morta
meu corpo carrega
o útero do mundo
da liberdade
que nunca aborta