sábado, 27 de junho de 2015

Mãe-solteira

Piranha
Vagabunda
Safada
Puta
Biscate
Vadia
Você não falou que tava tomando remédio?
Foi de propósito que criou barriga!
Que que tem aí no seu bucho?
É menino ou é menina?
Se for menina vai chamar o que?
Maria Sapatão ou Maria Gasolina?
Com certeza vai ser uma vaca interesseira igual a você
Que não vale nem o dinheiro da minha pinga!
Eu não quero filha mulher macho, não
Duas mina se pegando só se for Brasileirinhas
Aí eu até bato uma punhetinha
Também não quero filho viado, não
Eu não suporto essas putaria
Quer saber?  Eu não quero problema pra mim
Vai criar esse filho sozinha!

A mãe se perdeu
O filho nasceu
Era menino!
Menino que cresceu
Menino que aprendeu
Menino que conheceu
E aos 16 engravidou uma menina
Quando ela contou o que aconteceu
Sabe o que ele respondeu?

Piranha
Vagabunda
Safada
Puta
Biscate
Vadia
Mulher é tudo filha da puta mesmo
De santa só a minha mãe e a Virgem Maria

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Eu me lembro

Eu me lembro de desde muito pequena ter que lidar com injurias raciais. Eu me lembro de perguntar para minha mãe muito cedo, muito cedo mesmo, tipo com uns cinco ou seis anos, como responder aos meus coleguinhas que me rechaçavam por conta da minha cor. Eu me lembro dela dizendo pra eu chamá-los de "baratas descascadas". Eu me lembro de saber que esse xingamento não doeria tanto neles como doía em mim o que eles me diziam, mas mesmo assim eu me defendia. Eu me lembro de, mesmo que nunca tenha sido dito com todas as letras, eu ter consciência de que ser negra talvez não seria uma coisa lá muito boa. Eu me lembro de querer muito ser igual as minhas amiguinhas brancas, ter sua cor de pele, seu cabelo. Eu me lembro de ter chegado chorando da escola, porque mesmo me destacando e sendo a preferida da professora, eu não tinha sido escolhida para ser a princesa da apresentação final. Eu me lembro de que eu seria a rainha das bruxas. Eu me lembro de questionar a minha mãe sobre isso e ela não ter resposta. Eu me lembro de que depois de minha mãe conversar com a escola, professora e diretora, todos me disseram que aquele também era um papel importante. Eu me lembro da princesa, de seus olhos azuis, de seu cabelo loiro. Eu me lembro de que a coloração do lápis "cor de pele" não se aproximava da cor da minha pele e eu não entendia muito bem. Eu me lembro de ter ido até a casa de uma coleguinha fazer um trabalho em grupo, e que ela e outra amiguinha do grupo em um certo momento começaram a rir bastante de mim, e quando eu entendi o motivo, fui embora e nunca contei nada a minha família. Eu me lembro de uma desconhecida que mandava eu sair de perto em uma festa junina para que eu não encostasse "aquele cabelo" na comida dela. Eu me lembro de gostar muito que minhas tias trançassem o meu cabelo, assim ele não parecia tão armado. Eu me lembro de não correr muito nas festinhas, assim meu cabelo não ficava tão armado. Eu me lembro da primeira vez que alisei o meu cabelo. Eu me lembro de um colega de classe que me humilhou durante dois anos por conta da minha boca. Eu me lembro de todos se sentirem bastante desconfortáveis com a forma claramente racista que ele falava aquilo. Eu me lembro de que mesmo assim todos permaneciam calados, inclusive eu. Eu me lembro da minha felicidade quando diziam que eu não era negra, eu era moreninha. Eu me lembro de que até certo tempo os meninos do clube nunca me escolhiam. Eu me lembro de uma menina do clube fazer questão de me dizer que o irmão dela nunca pegaria aquela... ela riu. Eu me lembro dela dizendo que a mãe dela detestava que ela andasse com aquelas "neguinhas", no caso eu e um grupo de amigas minhas da época. Eu me lembro de ser a única pessoa de rastafari em um colégio pago. Eu me lembro de ser uma das únicas pessoas negras em um colégio pago. Eu me lembro do quanto as pessoas da minha cor eram inferiorizadas no colégio, Eu me lembro de como elas eram reduzidas a isso. Eu me lembro de, em certo ponto da adolescência, dizer não ter problemas com isso, pra poder me auto-afirmar, pra poder me sentir mais forte, e então, comecei a fazer piadas comigo mesma do tipo: "Ah! Isso é só porque eu sou preta!",  "Ah! Eu só podia ser preta!". Eu me lembro de que assim eu não parecia excluída e nem chata.
Eu me lembro de na semana passada ter visto uma garota negra se aproximar de uma roda de adolescentes pra cumprimentar alguém, e no segundo em que ela se virou, sua cor ter se tornado motivo de piada. Eu me lembro de no mês passado eu ter ido a um museu e um homem ter me dito que meu cabelo tamparia todas as obras de arte, como se quisesse dizer: "como você tem coragem de andar com isso?". Eu me lembro de há poucos anos um cara ter me dito que eu era a primeira pretinha que ele pegava, em um tom irônico, como se eu fosse uma espécie exótica e rara e eu pensei que provavelmente aquela observação já devia ter sido piada entre ele e os amigos.
Eu me lembro de todas essas coisas. Só que sei que todos esquecem todos os dias do porquê. O negro além de excluído, marginalizado, prejudicado pela história, ainda é inferiorizado nessas "pequenas" atitudes. Ninguém se lembra de olhar pra trás e perguntar: por que isso ainda acontece? Ninguém se pergunta porque têm tanta vontade de perpetuar isso, de punir pessoas negras por conta de sua cor e disfarçar isso de brincadeira, opinião, gosto. Quase nenhum branco se lembra de que nunca passou por isso e que não tem a menor propriedade pra falar sobre. Poucos negros tem a consciência de que passar por isso é consequência de um longo sistema preconceituoso e opressor que nos diminui perante aos demais.

As pessoas têm coragem de olhar nos meus olhos e me dizerem que não existe mais racismo. Que isso é coisa do passado, que não sou mais escravizada e nem violentada, e que eu exagero. Que é coisa da minha cabeça. Que eu incentivo atitudes racistas falando tanto disso. Que eu tenho preconceito comigo mesma. Que eu me vitimizo por relatar a minha própria história. A minha própria história!
Eu me silenciei até agora e, vejam só, nada disso deixou de acontecer. E vai continuar acontecendo, pois, assim como eu, as crianças já nascem em uma sociedade de estrutura racista e sabem inconscientemente desde cedo como a coisa funciona. E se tornam adultos opressores e oprimidos. Por isso eu não tenho vergonha de me empoderar e de empoderar crianças e mulheres negras como eu. Eu não ligo se essa expressão "empoderamento" incomoda alguém. Eu não ligo que o fato de eu andar por aí afirmando a minha negritude e o orgulho de ser negra incomode alguém. Eu faço questão que meu cabelo esteja armado e que meu turbante seja motivo pra que a pessoa não se recolha a sua insignificância e venha até a mim debochar. Eu vou continuar. Eu vou continuar falando sobre assuntos "chatos". Eu vou continuar cutucando a ferida. E vou continuar lutando por quem se feriu.

PORQUE EU ME LEMBRO E NÃO PERMITO QUE NINGUÉM ESQUEÇA.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Evidência do planeta

Pessoas são planetas
De um universo paralelo
Eu sou objeto não identificado
Extraterrestre
Extra
Plano
Estrangeira
Gosto de ser o outro
Solta
Sou peixe que nada por qualquer água
Mas esperta
Não morro pela boca
Sempre me encaixo
Em qualquer espaço
Me adéquo, me moldo, me acho
Vou de Marte a Plutão
Sendo coadjuvante
Mais uma em meio a multidão
Sem medo do buraco negro
Procuro talentos
Sorrisos
Olhares atentos
Esbarro sempre nos bons
Não quero ser sol
Não acordo ninguém
Não invado
Sou lua
Eu só alcanço os cansados
Apaixonados, perdidos, abandonados
Faço amizades sempre que possível
Crio laços
Não puxo papo
Escuto com o coração
Mas sempre respondo aquele que começa a conversa fiada na fila do pão
Faço tudo que posso
Mas se ninguém puder
Também não faço questão
Conheço todos os aneis
Me lanço na vida sem oxigênio
Sem exatidão
Nunca vou ser estrela que brilha sozinha
Um único ser pro resto da vida
Eu nasci pra ser constelação

Flores de Raiz

Da raiz da mãe África nascem flores capilares
As vezes floreiam tarde
Quando não são regadas
Espalham suas pétalas
E pólens
São grandes
Pequenas
Suntuosas
Delicadas
Flores de raiz
É a ancestralidade enraizada

Anna M.O

Visite: http://annam-o.tumblr.com/

Vaginarte

Válvula de escape
Escuridão que clareia
Esconderijo de felicidade
Experiência
Leia-a
Se necessário
Folheie-a
Melhor música
Em ritmos calientes
Linda imagem
Repetida em várias diferentes
Conheça seu ponto clitóris
Conheça-se
Ins
Pire-se
Divulgue
Experimente o
(tesão)
Entre parênteses
Sem pudores
É universo próprio
Assemelha-se à Marte
O planeta que sangra
E brilha como estrela
Compreenda primeiro
A primeira obra de arte
Vendem-se viagens
Para Vaginarte

Anna M.O

Visite: http://annam-o.tumblr.com/

Bloco de notas

Tem gente falando em trajetória de sucesso
Eu não tenho trajetória certa
Muito menos sucesso
A grande verdade é que se você não acredita na verdade
Deve parar de se vangloriar por ser um mentiroso
Se não há verdade, não há mentira
A vida só seria bela mesmo
Se a gente pudesse beijar todo mundo que a gente tem vontade
Mas tinha que ser beijo de língua
Ontem a lua tava linda
Crescente ao lado de uma estrela
Perfeita como um desenho de uma criança de oito anos
Gosto mais do pincel molhando o papel
Do que de ver o desenho pronto
Observo o mesmo tanto que falo
Dificilmente me calo
Só quando acho o silêncio necessário
Ontem também descobri que o príncipe nem sempre é encantado
Eu é que me encanto muito fácil
Não gosto de gente que planta esperança
Se não tem cu pra ir até o talo
Sou oito ou oitenta
Se que me quer por perto
Então aguenta
A única arte que não tenho habilidade
É a de disfarçar